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VOZ

ana clara e Mirella Mostoni

Duas mulheres que distam 30 anos entre si, se apropriam de palavras alheias para encontrar os sentidos do que vive ao redor. Em outros tempos poderiam ser acusadas de plagio ou fragilidade autoral, mas atualmente denominamos essa ação como remixagem, pós-produção ou até bricolagem. Neste caso específico estamos perante duas pessoas que, de maneiras muito diferentes, usam a palavra que não é sua para poder ver melhor. Extraem deliberadamente as frases do seu habitat para as colocar em perigo, expondo-as ao fracasso.

Digo fracasso, porque depois de todas as falácias que este mundo já viveu, a palavra escrita e publicada ainda reina como se fosse dona da verdade. Para Mirella, a literatura serve de campo de caça, provocando-lhe emboscadas de sentidos. ana clara retalha e trama formulários que nos pedem respostas exatas, para dilacerar a dicotomia entre certo-errado e recambiá-los à eterna ambiguidade do não saber.

Duas mulheres separadas por trinta anos, colhem vagarosamente as palavras, extraem as letras da sua forma graficamente limpa e oficial, conferindo-lhes um aspecto rude e frágil, tornando vulnerável o que antes era pilar estrutural. Caçam sílabas e palavras num jogo de ironia que atenta para o detalhe e corta na precisão tudo o que alicerça. É uma tarefa de rastreamento, que duvida e escuta para além do que é dito. Leitura que espera e espreita, enquanto persegue o fio dissimulado que revela as verdadeiras intenções daquele texto. Uma leitura que escreve.

Voz é uma exposição permeada por gestos de apropriação em que ambas artistas se utilizam de recursos literários, burocráticos, pedagógicos e artísticos para colocar em circulação contra- sentidos, seguindo no encalce das artimanhas de estruturas patriarcais que sistematicamente retiram, diminuem, inviabilizam e invisibilizam o lugar criativo e autoral das mulheres que, continuamente, precisam reconstituir recursos para se ouvirem a si mesmas.

Créditos das fotos:

Ana Flavia Santos e Bia Monteiro

Voz

ana clara e Mirella Mostoni

Curadoria: Célia Barros

Galeria Respiro

Fazenda Santa Vitória

Queluz/SP

A arte é capaz de fazer sutis e complexas ligações entre o dizível e o indizível,  o "eu" e o outro, o individual e coletivo, a clínica e a política, o fazer artístico, principalmente quando colocado no contexto de uma construção coletiva, é sempre uma experiência forte.

Lula Wanderley

@celocas___

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